A primeira advogada
do Brasil

Esperança Garcia

Esperança Garcia nasceu
em 1751, na Fazenda Algodões,
vizinha a Oeiras, capital da 
Província de São José do Piauí.

Nessa época, a mulher não tinha 
acesso à leitura e à escrita –
muito menos uma mulher
pobre, negra e escravizada.

Ainda muito jovem, Esperança alfabetizou-se com  os padres
da Companhia de Jesus,
que era a dona da fazenda. 

Quando o Marquês de Pombal 
expulsou os jesuítas do Brasil,
Algodões passou à propriedade da Coroa de Portugal.

O inspetor da região de Nazaré,
Capitão Antônio Vieira do Couto, 
apoderou-se de Esperança e a levou para trabalhar em sua casa.

Esperança e sua filha mais nova passaram a sofrer as mais 
cruéis dores da escravidão:
maus tratos, abusos e torturas.

Em 6 de setembro de 1770,
Esperança, 19 anos, escreveu ao Presidente da Província, Gonçalo Lourenço Botelho de Castro.

Esperança Garcia, casada, escrava,
vem perante Vossa Senhoria
impetrar Habeas Corpus contra
ato ilegal da administração do
Capitão Antônio Vieira do Couto.

Desde que lá foi administrar,
o Capitão me tirou da
Fazenda dos Algodões,
onde vivia com meu marido. 
Fui ser cozinheira de sua casa,
onde passo muito mal.

1. Há grandes trovoadas de pancadas
em um filho meu, que é uma criança, até lhe extrair sangue pela boca.

Quanto a mim, mal posso explicar: 
sou um colchão de pancadas.
Uma vez, caí do sobrado abaixo
quando estava grávida. 
Por misericórdia de Deus, escapei.

2. Eu e minhas parceiras estamos
sem confessar há três anos.
Uma criança minha e mais duas
estão sem batizar.

Peço a Vossa Senhoria,
pelo amor de Deus,
que ponha os olhos em mim, 
ordenando ao Procurador
que me mande para a fazenda
de onde me tirou,
para eu viver com meu marido
e batizar minha filha.

Não se sabe se houve resposta, mas Esperança voltou a Algodões. Anos depois, ela estava de novo com o marido e seus sete filhos.

A carta ficou desconhecida por dois séculos, até que, em 1979, o historiador Luiz Mott achou uma cópia no Arquivo Público do Piauí.

Esperança sabia dos limites impostos pela escravidão,
mas usou a criatividade para
resistir e pactuar os conflitos.

Aproveitou-se das doutrinações jesuíticas, como o batismo e o matrimônio, na sua estratégia para pedir o direito de reunir a família.

Descreveu os maus tratos da 
escravidão para fundamentar 
o pedido juridicamente possível: 
se não a liberdade, a dignidade.

Segundo as Ordenações Filipinas, toda pessoa podia defender a si e aos outros ante o Rei de Portugal ou seu representante local.

Em 2017, a OAB reconheceu que a carta era uma petição e concedeu a Esperança o título honorário de primeira advogada do Piauí.

Em 2019, Esperança reviveu como rainha da bateria da Mangueira, campeã das escolas de samba ao homenagear vultos esquecidos.

Esperança é inspiração.
Seu nome é símbolo de protagonismo dos oprimidos
por direitos humanos para todos.

No Piauí, Esperança Garcia batiza um Memorial e um Instituto. 
A data de 6 de setembro é o Dia
Estadual da Consciência Negra.

Ilustrações
Valentina Fraiz
Luciane Justiniani Hees
Olavo Nunes Braz
Amana Lobo
Dora Parentes

Fotos
Paulo Gutenberg
Revista Pólen
Elio Ferreira
Gabriel Nascimento / RioTur
João Albert

Cenas do Filme
"Esperança 1770"
Direção Carmen Kemoly
Atriz  Brena Maria

Modelos
Sheron Menezes
Evelyn Bastos

Vozes
Instituto Esperança Garcia

Trilha sonora
Bazaruto (Xylo-Ziko)
Tribal Joy (Alexander Nakarada)

Jus